Missa Tradicional

Missa Nova: Um caso de consciência

MISSA NOVA:
UM CASO DE CONSCIÊNCIA

 

Compilado sob a responsabilidade dos Padres tradicionalistas da Diocese de Campos

 

No dia 10 de abril de 1970, Paulo VI recebeu a comissão que elaborara o novo “Ordo Missae”. Nesta audiência, o Pontífice deixou-se fotografar ao lado dos observadores das “Comunidades eclesiais não-católicas” que participaram da referida Comissão (os pastores protestantes: Dr. Georges, Côn. Jasper, Dr. Sephard, Dr. Konneth, Dr. Smith, Fr. Max Thurian). A fotografia foi publicada na Revista Notitiae, da Sagrada Congregação para o Culto Divino, n.° 54, maio de 1970. Na oportunidade, o Papa dirigiu aos presentes uma Alocução em que agradece sua colaboração: “Nós temos de agradecer-vos muito vivamente (…). O que vos era pedido não era fácil, com efeito (…): redigir de uma maneira nova textos litúrgicos provados por um longo uso, ou estabelecer fórmulas inteiramente novas” (cf. La Documentation Catholique, 3-5-70, n.º 1562, 52.° ano, t. LXVII).

Sobre a ativa intervenção destes “observadores”, eis o testemunho de Mons. W. W. Baum, diretor-executivo para os assuntos ecumênicos da Conferência Episcopal Norte-americana: “Eles ali estão não simplesmente como observadores, mas também como consultores, e participam plenamente nas discussões sobre a renovação litúrgica católica. Não teria muito sentido se se contentassem com escutar, mas contribuem de fato” (cf. Detroit News, 27-6-67).

Capítulo I

Recordando princípios:

Papas — Santos

Doutores — Teólogos

Papa Inocêncio III: “Somente pelo pecado que cometesse em matéria de fé poderia eu ser julgado pela Igreja” (Sermo IV in cons. Pont., P.L. 217, 670).

Decretum de Graciano: “O Papa (…) por ninguém deve ser julgado, a menos que se afaste da fé” (Pars l, dist. 40, cap. VI, cânon “Si Papa”).

Papa São Leão II: “Anatematizamos (…) Honório (Papa), que não ilustrou esta Igreja apostólica com a doutrina da tradição apostólica, mas permitiu, por uma traição sacrílega, que fosse maculada a fé imaculada” (…) e “não extinguiu, como convinha à sua autoridade apostólica, a chama incipiente da heresia, mas a fomentou por sua negligência” (Denz.-Sch. 563 e 561).

Papa Adriano II: “Honório foi anatematizado pelos Orientais; mas deve-se recordar que ele foi acusado de heresia, único crime que torna legitima a resistência dos inferiores aos superiores, bem como a rejeição de suas doutrinas perniciosas” (Alloc. III, lect. in Conc. VIII, act. VII — citado por Billot, Tract. de Eccles. Christi, t. I, p. 619).

Guido de Vienne (futuro Calixto II), São Godofredo de Amiens, Santo Hugo de Grenoble e outros Bispos reunidos no Sínodo de Vienne (1112) enviaram ao Papa Pascoal II as decisões que adotaram, escrevendo-lhe ainda: “Se, como absolutamente não cremos, escolherdes outra via, e vos negardes a confirmar as decisões de nossa paternidade, valha-nos Deus, pois assim nos estareis afastando de vossa obediência” (citado por Bouix, Tract. de Papa, to. 11, p. 650).

 

Santo Tomás de Aquino, estudando o episódio em que São Paulo repreendeu a São Pedro (cf. Gal. II, 11-14), escreve: “Aos prelados (foi dado exemplo) de humildade, para que não se recusem a aceitar repreensões da parte de seus inferiores e súditos; e aos súditos (foi dado) exemplo de zelo e liberdade, para que não receiem corrigir seus prelados, sobretudo quando o crime for público e redundar em perigo para muitos (…). A repreensão foi justa e útil, e o seu motivo não foi leve; tratava-se de um perigo para a preservação da verdade evangélica (…). O modo como se deu a repreensão foi conveniente, pois foi público e manifesto. Por isso São Paulo escreve: ‘Falei a Cefas’, isto é, a Pedro, ‘diante de todos’, pois a simulação praticada por São Pedro acarretava perigo para todos” (ad Gal., II, 11-14, lect. III, nn. 77, 83-84).

Santo Tomás de Aquino: “Havendo perigo próximo para a fé, os prelados devem ser argüidos, até mesmo publicamente, pelos súditos” (Sum. Teol. II-II.a, XXXIII, IV, ad 2).

São Roberto Belarmino: “Assim como é licito resistir ao Pontífice que agride o corpo, assim também é licito resistir ao que agride as almas, ou que perturba a ordem civil, ou, sobretudo, àquele que tentasse destruir a Igreja. Digo que é licito resistir-lhe não fazendo o que ordena e impedindo a execução de sua vontade” (De Rom. Pont., Lib. II, c. 29).

Dom Guéranger: “Quando o pastor se transforma em lobo, é ao rebanho que, em primeiro lugar, cabe defender-se. Normalmente, sem dúvida, a doutrina desce dos Bispos para o povo fiel, e os súditos, no domínio da Fé, não devem julgar seus chefes. Mas há, no tesouro da Revelação, pontos essenciais, que todo e qualquer cristão, em vista de seu próprio titulo de cristão, necessariamente conhece e obrigatoriamente há de defender” (L’Année Liturgique, festa de São Cirilo de Alexandria, pp. 340-341).

Suárez: “E deste segundo modo o Papa poderia ser cismático, caso não quisesse ter com todo o corpo da Igreja a união e a conjunção devida, como seria (…) se quisesse subverter todas as cerimônias eclesiásticas fundadas em tradição apostólica” (De Caritate, disp. XII, sect. I, n.º 2, pp. 733-734).

“Se (o Papa) baixar uma ordem contrária aos bons costumes, não se há de obedecer-lhe; se tentar fazer algo manifestamente oposto à justiça e ao bem comum, será licito resistir-lhe (…)” (De Fide, dist. X, sect. VI, n.º 16).

Cardeal Journet: “Quanto ao axioma ‘Onde está o Papa está a Igreja’, vale quando o Papa se comporta como Papa e chefe da Igreja; caso contrário, nem a Igreja está nele, nem ele na Igreja” (Caietano, II-II, 39, l)(L’Église du Verbe Incarné, vol. II. pp. 839-840).

 

 

Privilégio-indulto perpétuo concedido pelo Papa São Pio V na Bula Quo primum tempore (14-7-1570):

 

“Em virtude de Nossa Autoridade Apostólica, pelo teor da presente Bula, concedemos e damos o indulto seguinte: que, doravante, para cantar ou rezar a Missa em qualquer Igreja, se possa, sem restrição, seguir este ‘Missal’, com permissão e poder de usá-lo livre e licitamente, sem nenhum escrúpulo de consciência e sem que se possa incorrer em nenhuma pena, sentença e censura, e isto para sempre.”

Capítulo II

Um pouco de história

 

“O primeiro caráter da heresia antilitúrgica é o ódio da Tradição nas fórmulas do culto divino (…). Todo sectário, querendo introduzir uma nova doutrina, se encontra infalivelmente em presença da liturgia, que é a Tradição no seu mais alto poder, e ele não terá repouso senão quando tiver feito calar esta voz, senão quando tiver rasgado estas páginas que exalam a fé dos séculos passados (…)” (Dom Guéranger, “Institutio”ns Liturgiques).

“O principal instrumento da Tradição da Igreja está encerrado nas suas orações” (Bossuet, Instruction sur les états d’oraison, tr. I, liv. VI, n.° l).

“Ut legem credendi statuat lex supplicandi” (De gratia Dei “Indiculus”, Denz.-Sch. 246). [No culto se professa a fé.]

“Toda a Liturgia é um escrínio da Fé católica, enquanto testemunho público da Fé da Igreja” (Pio XII, Mediator Dei, n.° 43).

“O culto que a Igreja rende a Deus é uma contínua profissão de fé católica” (Santo Agostinho, apud Mediator Dei, n.° 43).

Daí o paralelismo que existe entre a norma de agir da Igreja e da heresia. Como a Liturgia serve não somente para o culto divino mas também para a profissão e difusão da fé católica, assim os hereges se aproveitam da Liturgia para deturpá-la no sentido de que lhes sirva para a fixação e difusão dos seus erros.

São Paulo já advertia contra aqueles que procuravam deturpar a verdade revelada de acordo com os seus gostos pessoais (II Tim., IV, 3 ss.).

Podemos dizer que cada heresia tem sua expressão litúrgica. Aduzimos aqui o testemunho autorizado do Pe. Manuel Pinto, S.J., em seu livro O Valor Teológico da Liturgia, art. II:

“Quando houve abalos na fé, houve em geral subversões na Liturgia. As extravagâncias doutrinais dos gnósticos no século II fizeram-nos cair em extravagâncias litúrgicas. Entre eles, Valentim servia-se dos hinos litúrgicos para neles vazar as suas doutrinas, como refere Tertuliano (…). As grandes heresias que nos séculos IV e V sacudiram a Igreja buliram também com a Liturgia (…). Os eutiquianos ou monofisitas, para favorecerem a sua heresia, modificaram na Missa as palavras que acompanham a mistura das duas espécies depois da fração da Hóstia. E ainda hoje os Armênios monofisitas não lançam as gotas de água no vinho do cálice, para não significarem com isso a distinção das duas naturezas em Cristo (…). Nos séculos VIII e IX as controvérsias mais importantes que se debatem na Igreja, todas elas têm relação muito próxima com a Liturgia. No Oriente tanto a heresia dos iconoclastas como a definição do II Concílio de Nicéia que os condenou são diretamente litúrgicas no seu objeto: o culto dos santos e das imagens (…). Os hereges do século XII e XIII, Valdenses e Albigenses, em conseqüência dos seus princípios gnósticos e maniqueus, segundo os quais a matéria é origem do mal, impugnavam radicalmente o culto sensível da Igreja. (…) Estalou por fim o Protestantismo, a mais revolucionária das heresias. Subverteram os Protestantes o Dogma tradicional, e logicamente também o culto estabelecido. (…) Do rescaldo da heresia protestante acenderam-se ainda na Igreja o Jansenismo e o Galicanismo, que vieram a eclodir no conjunto de erros proclamados no Sínodo de Pistóia, em 1786, alguns acerca da Liturgia. Todos eles foram condenados na Constituição Auctorem fidei, de Pio VI. Os erros litúrgicos são diretamente contrários à disciplina da Igreja; no fundo, porém, são contrários à doutrina, e foi sobretudo neste sentido que foram condenados.”

É preciso acrescentar, com relação à pseudo-reforma do século XVI, que a reação da Igreja não se fez esperar. O Concilio de Trento, entre outros erros protestantes, condenou: a doutrina de que a Missa é mera comemoração do sacrifício já realizado na Cruz; a obrigatoriedade da consagração em voz alta; o uso exclusivo da língua vernácula; a obrigatoriedade para os fiéis da comunhão sob as duas espécies etc. Na Sessão XXII, o referido Concílio, “fixando de modo definitivo os ‘cânones’ do rito, erigiu uma barreira intransponível contra qualquer tentativa de atacar a integridade do Mistério” (Carta dos Cardeais Ottaviani e Bacci).

Ainda quanto ao Protestantismo, L. Fendi diz: “Em nenhum terreno o pulso da Reforma bateu com tanto calor quanto no culto. O culto foi o corpo através do qual o espírito de Lutero penetrou na vida do povo” (Der lutherische Gottesdienst des 16. Jahrhunderts, p. V, citado por Luther Reed, The Lutheran Liturgy, p. 107).

Não é diversa a atitude dos modernistas, como se deduz da Encíclica Pascendi, de São Pio X, linha de procedimento destacada também por Pio XII nas Encíclicas Humani Generis (que condenou a Nouvelle Théologie), Mystici Corporis e Mediator Dei, que reprovam vários erros litúrgicos correntes: como o altar em forma de mesa, a equiparação entre o fiel e o sacerdote, a aversão à missa individual com assistência só do acólito, a missa exclusivamente em vernáculo, a exigência da comunhão de todos os fiéis para efetiva participação, minimização do caráter sacrifical da Missa, ênfase no aspecto de banquete ou ceia, negação da presença real, menosprezo por certos atos do culto eucarístico (por exemplo, a bênção do Santíssimo Sacramento, Hora Santa etc.).

E nos nossos dias?

 

O novo “Ordo Missae”

Estas observações históricas despertam o problema que põe à consciência católica a consideração do novo “Ordo Missae”, especialmente depois que os Cardeais da Cúria Romana, Ottaviani e Bacci, “após examinar e fazer examinar o novo ‘Ordo Missae’”, concluíram que “ele representa, tanto em seu conjunto como em pontos particulares, um afastamento impressionante da teologia católica da Santa Missa, tal como foi formulada na sessão XXII do Concilio Tridentino (…). As recentes reformas demonstraram, à saciedade, que as novas transformações na Liturgia só conduzem a uma total desorientação dos fiéis, que já apresentam sinais de indiferença e de diminuição da fé” (Carta ao Papa, 5-10-1969).

 

Capítulo III

A Nova Missa:

Testemunho equívoco da fé

A Missa Nova é equívoca. Quer dizer que, quando ela é celebrada, seja em latim seja em português, o seu texto objetivo permite afirmar e negar dogmas eucarísticos.

Este sistema de adotar textos equívocos é usado pelos hereges para difundir suas heresias. Sem afirmar esta intenção, registramos o fato que tem sua natural conseqüência.

Para compreender em que a Nova Missa é equívoca, colocamos lado a lado os dogmas eucarísticos e os erros protestantes correspondentes.

 

1.°) Dogma do Santo Sacrifício

Doutrina Católica

Doutrina protestante

Sim, a Missa é um verdadeiro sacrifício no sentido próprio, e sacrifício propiciatório que pode ser oferecido pelos vivos e pelos defuntos.

Não, a Missa não é um sacrifício propiciatório; é apenas um memorial, quer dizer, uma lembrança da ceia do Senhor, quando muito um sacrifício de ação de graças.

Ora, analisando as diversas passagens da “Institutio” (= documento introdutório da Nova Missa) que falam em sacrifício, verificamos que apenas uma vez, e assim mesmo no Proêmio introduzido na segunda redação, há referência ao caráter propiciatório da Missa. Pelo contrário, a todo o momento elas se referem à Missa como sacrifício de louvor, de ação de graças, de comemoração do sacrifício da Cruz — aspectos todos verdadeiros, mas que o Concílio de Trento declarou insuficientes para a conceituação católica da Missa. Houve, portanto, uma sensível atenuação do aspecto propiciatório do sacrifício.

A importância disto é tal, que o Concílio de Trento definiu que a Missa é um “sacrifício verdadeiramente propiciatório” (Denz.-Sch. 1743) e lançou o seguinte anátema: “Se alguém disser que o Sacrifício da Missa é somente de louvor e ação de graças, ou mera comemoração do sacrifício consumado na Cruz, mas que não é propiciatório (…), seja anátema” (Denz.-Sch. 1753).

Ocorrem também na “Institutio” expressões que acabam pondo na sombra o caráter sacrifical e propiciatório da Missa. É o caso da insistência exagerada no principio — em si incontestável — de que na Missa há um banquete, uma vez que Jesus Cristo ali nos dá o seu Corpo e o seu Sangue em alimento. Esse aspecto da Missa é sem dúvida verdadeiro, mas deve estar subordinado ao aspecto sacrifical e propiciatório, tanto mais quanto o protestantismo procura reduzir o Sacrifício eucarístico ao banquete, conforme se vê pela condenação lançada em Trento: “Se alguém disser que na Missa não se oferece a Deus verdadeiro e próprio sacrifício, ou que oferecer-se Cristo não é mais que dar-se-nos em alimento, seja anátema” (Denz.-Sch., 1751).

A respeito, é significativa a supressão de várias orações que afirmavam o caráter propiciatório, por exemplo no Ofertório.

Em suas características específicas, o Ofertório da Missa tradicional sempre constituiu um dos principais elementos distintivos entre a Missa católica e a ceia protestante.

Lutero suprimiu o Ofertório, porque nele se exprimia de modo insofismável o caráter sacrifical e propiciatório da Santa Missa (Formula Missae — cf. The Lutheran Ligurgy, Luther D. Reed, Fortresse Press, II edition, Philadelphia, XXIII, p. 312).

Na Nova Missa, o ofertório perde essas características para reduzir-se a uma simples apresentação dos dons, o que corresponde a um conceito de ofertório fundamentalmente diverso do da Missa tradicional.

l. Não figura na Nova Missa a oração: “Suscipe Sancte Pater”. Toda esta prece, nos seus termos e no seu estilo cheio de unção, fala do valor propiciatório do sacrifício. Lutero também a suprimiu. Com razão reconhecia o pastor luterano D. Reed: “A parte central do ofertório ‘Suscipe Sancte Pater’ é uma exposição perfeita da doutrina romana sobre o sacrifício da Missa” (Luther D. Reed, idem, ibidem).

2. Também não figura no novo “Ordo” a oração do Missal Romano: “Offerimus Tibi Domine”, com a qual é oferecido o vinho. A oferenda final do cálice, para que suba “cum odore suavitatis” à face da Divina Majestade, da Qual se implora a clemência, recorda de modo admirável a economia propiciatória do Sacrifício da Missa (cf. Breve Exame Critico, III, 3).

3. Essas duas orações, do oferecimento do pão e do vinho, foram substituídas por outras, nas quais não há referência alguma à verdadeira vítima, que é Jesus Cristo; ao oferecimento dos dons por nós e por nossos pecados; ao caráter propiciatório da oblação; ao sacerdócio hierárquico do celebrante; ao principio de que o sacrifício precisa ser aceito por Deus para Lhe ser agradável. Pelo contrário, as expressões “far-se-á para nós o pão da vida” e “far-se-á para nós a bebida espiritual” insinuam que o verdadeiro fim essencial da Missa é a nossa alimentação espiritual — tese esta que se aproxima de uma das heresias condenadas em Trento.

 

2.°) Dogma da Presença Real

 

Doutrina Católica

Doutrina protestante

Sim, na Missa Jesus Cristo se torna presente de maneira real, corporal e física, com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade.

Não, na Missa não há presença real, corporal e física de Cristo; há somente uma certa presença real espiritual do Senhor.

           

Um dos dogmas em que as heresias protestantes mais se distanciam da ortodoxia católica é o da Presença Real física de Jesus Cristo na Santíssima Eucaristia, sob as espécies de pão e de vinho. Segundo a doutrina revelada, na Santa Missa, Jesus se torna presente, de modo físico, real e permanente, em virtude das palavras da Consagração. Esta verdade o “Ordo Missae” tradicional afirmava a todo o momento, no rito e nas cerimônias. No novo “Ordo”, ela é extremamente debilitada tanto no rito como pela imprecisão das expressões na “Institutio”.

O novo “Ordo” favorece a posição protestante:

a) Pela supressão de quase todos os sinais de adoração e outras prescrições que tinham justamente a finalidade de incentivar a fé na Presença Real de Nosso Senhor.

Houve a eliminação:

1. das genuflexões (não permanecem senão três do sacerdote; e uma, com exceções, do povo, à Consagração);

2. da purificação dos dedos do Sacerdote no cálice;

3. da preservação dos mesmos dedos de todo o contato profano após a Consagração;

4. da purificação dos vasos sagrados, que pode dar-se não imediatamente, e pode ser feita fora do corporal;

5. da pala para proteger o cálice;

6. das três toalhas sobre o altar, reduzidas a uma;

7. da ação de graças de joelhos;

8. de todas as antigas prescrições no caso de queda da hóstia consagrada, reduzi­das a apenas um “reverenter accipiatur”.

b) A aproximação à tese protestante é favorecida também pelo paralelo estabelecido entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística, como se fossem duas espécies de um mesmo gênero (“Institutio”, n.º 8). Este paralelo inclina o fiel a pensar que a presença de Jesus na Eucaristia é semelhante à sua presença na Palavra. Ora, a presença na Palavra só pode ser in usu, ou seja, quando é lida a Escritura na Santa Missa. De fato, só podemos pensar numa presença de Jesus Cristo na Palavra, no momento em que é lida a Escritura, porque somente neste momento (in usu) é que se forma o conceito da verdade revelada na mente de quem lê e de quem ouve. Somente neste momento se pode falar de presença de Jesus Cristo na Palavra. Ninguém irá dizer que Jesus Cristo está presente no livro material, que é a Bíblia ou o Missal. Se assim é com a presença de Jesus Cristo na Palavra, por que não será igualmente na Eucaristia, ou seja, Jesus estaria presente só no momento em que o fiel comunga, in usu?

Esta interpretação é abonada pelo alinhamento em que são colocadas na “Institutio” as várias presenças de Jesus Cristo: na Palavra e substancialmente sob as espécies de pão e vinho. Como a presença na Palavra só se pode entender quando se lê ou se ouve, como vimos acima, por que não se entenderá o mesmo da Presença sob as espécies de pão e de vinho, ou seja, aceitando a presença real apenas in usu, isto é, quando o fiel comunga?

c) Ainda na nova redação do número 7 da “Institutio”, perdura a estranha imprecisão sobre os diversos modos de “presença” de Nosso Senhor na Missa. Declara-se, é verdade, que a presença sob as espécies eucarísticas é “substancial e permanente”. A expressão é absolutamente exata. Mas a palavra “enim” (pois) estabelece um nexo pouco claro e muito perigoso entre essa presença substancial e o princípio acima enunciado: “Onde dois ou três estão congregados em meu nome, ali estou no meio deles”. Que relação haverá entre essas duas presenças? O caráter comunitário da “assembléia reunida em nome de Cristo” contribuirá para que Ele se torne presente sob as espécies eucarísticas? Ou para que esta segunda presença se realize de modo mais pleno? Ou, pelo menos, o “povo de Deus” reunido exerce alguma função ativa para que se efetive a presença substancial de Nosso Senhor na Eucaristia? O texto deixa pairar perigosas ambigüidades sobre esse ponto.

Também não se estabelecem as necessárias distinções entre os diversos modos de presença não-substancial de Cristo: na assembléia reunida, na pessoa do ministro e na palavra da Escritura. É expressivo o fato de que a assembléia vem enumerada antes do ministro, o que poderia indicar que a presença de Nosso Senhor no povo é, se não superior, pelo menos mais fundamental, para a celebração eucarística, do que sua presença na pessoa do ministro.

Tão estranho é o sabor desse número 7, mesmo em sua nova redação, que seria necessário fazer-lhe ainda vários reparos: na Missa, Nosso Senhor se torna presente sob as espécies eucarísticas, mas não se pode dizer, sem mais, que na Missa Ele está substancial e permanentemente presente sob as espécies; a cláusula “sacerdote praeside personamque Christi gerente” parece subordinar ou pospor a representação de Cristo à presidência da assembléia, quando na realidade é o inverso que se dá; no contexto, o fato de não se reservar a expressão “presença real” para a presença resultante da transubstanciação tende a debilitar a fé na “presença real” por antonomásia e a introduzir nos meios católicos uma terminologia do agrado de certos protestantes.

d) Além destas ponderações que mostram como o novo “Ordo” debilita e mesmo obscurece o dogma da Presença Real substancial de Jesus na Santíssima Eucaristia, outras determinações do novo rito afastam inteiramente a saliência da Presença Real existente no “Ordo” tradicional. Segundo o Concílio de Trento, a Presença Real sob as espécies de pão e de vinho está ordenada a perpetuar o Sacrifício do Homem-Deus. O Sacerdote e a Vítima deste Sacrifício novo, instituído por Cristo, é o mesmo Jesus Cristo. Daí, no “Ordo” tradicional, a preeminência do Tabernáculo que encerra o Sacerdote e a Vítima do Sacrifício. Ele é o centro para onde converge tudo na Igreja, de maneira que seja também o centro que atrai a atenção dos fiéis, e tudo o mais não seja venerado senão em função, digamos assim, do Tabernáculo. O cânon 1269 prescreve que a Santíssima Eucaristia seja guardada num Tabernáculo inamovível colocado no centro do Altar. Com semelhante disposição, a Santíssima Eucaristia, e, pois, a Presença Real sob as espécies de pão, era condignamente ressaltada. Ao entrar na Igreja, o Tabernáculo lembrava ao povo fiel a Presença Real de Nosso Senhor e o Sacrifício Eucarístico. No novo “Ordo”, o centro de toda a Liturgia não é o Tabernáculo, e sim o altar: “altare maius est centrum totius liturgiae eucharistiae” (“Institutio”, n.º 49). Mas não é o altar sobre o qual se acha o Sacrário, pois, no novo “Ordo”, o Sacrário preferivelmente deve estar fora do altar-mor (n.º 276). Seria difícil extenuar mais a fé no dogma da Presença Real; pois até o altar, no caso o altar material, tem preferência sobre o Tabernáculo. Esta disposição do novo “Ordo” concorre também para a aceitação da heresia calvinista de que Jesus Cristo está presente apenas no uso, ou seja, no momento da Comunhão.

 

3.°) Dogma da Consagração e da Transubstanciação

 

Doutrina Católica 

Doutrina protestante 

Sim, são as palavras da Consagração pronunciadas pelo sacerdote, e não a fé dos assistentes, que tornam Jesus Cristo presente corporalmente sob as aparências do pão e do vinho, e assim realizam a transubstanciação.

Não, não são as palavras da Consagração, mas a fé dos assistentes que produz durante a Ceia certa presença real de Cristo: a presença real espiritual. Não há transubstanciação.

 

l. Várias mudanças na Missa Nova favorecem a doutrina protestante de que não há Consagração na Missa, mas apenas uma narração ou comemoração da ceia do Senhor. Assim:

A) Modo e tom narrativo da Consagração na Missa Nova

No “Ordo” de São Pio V

Há uma separação nítida, muito bem destacada até pelos caracteres tipográ­ficos, entre as palavras introdutórias (narrativas situando historicamente a Consagração na última Ceia) e a fórmula propriamente dita da Consagração, que torna a Jesus Cristo realmente presente sob as espécies de pão e vinho. Depois da locução: “Tomai e comei dele todos” — uma pontuação marca a passagem da narração para as palavras realizadoras do mistério da Presença Real. O celebrante as pronuncia não em tom recitativo, como se faz numa narração, num memorial, mas ele as diz em tom intimativo, quer dizer, no tom normal de alguém que realiza uma ação pessoal. Assim como o Padre diz: “Eu te batizo”, ou: “Eu te perdôo os pecados”; ele diz: “Isto é o meu Corpo” — “Este é o cálice do meu Sangue (…)”. A pessoa do Padre como que desaparece para ceder o lugar à pessoa de Jesus Cristo, a Quem aquele empresta a voz de maneira que as palavras são do próprio Cristo.

 

No novo “Ordo”

A locução: “Tomai e comei todos vós” — inicia a fórmula consecratória. Passa a fazer parte da fórmula que tornaria Jesus realmente presente. Com isso, o tom narrativo atinge também a fórmula consecratória, estendendo a toda ela a idéia de que se trata não da renovação de um ato do Senhor, mas de uma simples narrativa de um fato passado. Além disso, nos novos Missais as fórmulas consecratórias não estão tipograficamente tão destacadas como nos Missais de São Pio V, o que sublinhava mui fortemente a mudança de ação. Assim, o Padre é levado a não interromper a narração da Ceia e a pronunciar as palavras da Consagração no mesmo tom narrativo e sem separá-las das palavras que as precedem.

As palavras não são de Cristo, são do Padre; como acontece em qualquer narração.

B) Segunda mudança que favorece a doutrina dos protestantes

No “Ordo” de São Pio V

No novo “Ordo”

Após a primeira Consagração, seguro de já não ter em suas mãos o pão, mas o verdadeiro Corpo de Cristo, o Padre ajoelha-se para adorar seu Deus; depois, levantando-se, eleva a santa Hóstia para apresentá-la à adoração dos assistentes ajoelhados, e a adora nova­mente depois de tê-la colocado sobre o corporal, que significa o sudário.

Tudo está mudado. Como se nada tivesse passado, o Padre, sem adorar, eleva a Hóstia, apresenta-a à assistência, que, igualmente, permanece de pé, depois a depõe sobre a patena e só então se ajoelha.

Suprime-se assim um gesto natural de adoração que manifestava a fé na Presença Real em virtude das palavras da Consagração, e favorece-se a doutrina protestante de que a presença de Jesus Cristo é fruto da fé da assembléia. O católico diz: Eu creio porque Jesus está presente. O protestante diz: Jesus está “presente” porque eu creio. Na Missa tradicional, só a versão católica é possível. Na Missa Nova a interpretação protestante também tem cabimento.

 

C) Terceira mudança. A mudança a que acima nos referimos, introduzida na Consagração do pão, reproduz-se na Consagração do cálice, e ainda renova o equívoco, agravando-o pelo deslocamento das palavras “Mysterium fidei”

 

Na Missa Tradicional 

Na Missa Nova

A expressão “Mysterium fidei”, incluída na fórmula da Consagração do cálice, não sofre nenhuma outra interpretação senão a católica. É uma confissão imediata de fé no mistério da transubstanciação. O “mistério da fé” é o que as palavras da Consagração realizam: a transubstanciação ou mudança do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo. Depois de ter elevado e repousado o cálice, o Padre faz uma genuflexão, levanta-se e diz em voz alta: “Eis o mistério da fé”. Que mistério? — Ora, responde o católico, o mistério da transubstanciação. — Não, responde o protestante, é o mistério da fé dos fiéis que torna Cristo “presente” no meio de nós. Tanto assim que só depois que eles adoraram é que o Padre proclamou: “Eis o mistério da fé”.

Na verdade, estamos diante de um rito equívoco, que pretende agradar a católicos e protestantes, e mais a estes.

D) Aclamação após a Consagração

Segundo o novo “Ordo”, logo após a Consagração, o povo deve fazer uma aclamação, para a qual se fixam três textos. Dois deles terminam com a expressão “até que venhais”.

“Anunciamos a vossa Morte, Senhor, e proclamamos a vossa Ressurreição, até que venhais.”

“Todas as vezes que comemos deste Pão e bebemos do Cálice, anunciamos a vossa Morte, Senhor, até que venhais.”

Sem dúvida, a expressão “até que venhais” é de São Paulo (I Cor. XI, 26), e portanto em si mesma não pode ser censurada. Na Primeira Epístola aos Coríntios, ela indica a espera da última vinda de Jesus. Todavia, colocada logo após a Consagração, quando Nosso Senhor acaba de vir substancialmente ao altar, essa expressão pode induzir a pensar que Ele não está presente, que Ele não veio pessoalmente sob as espécies eucarísticas. Tal inovação, sobretudo se feita numa época em que há em meios católicos a assustadora tendência de negar a presença real, tem como conseqüência inevitável favorecer a diminuição da fé na transubstanciação.

 

4.°) Dogma do Sacerdócio Hierárquico

 

Doutrina Católica

Doutrina protestante

Sim, o Padre possui um verdadeiro sacerdócio hierárquico que lhe dá poderes que os outros fiéis não têm. Não, não há sacerdócio fora daquele que possuem todos os batizados.

Confundir o sacerdócio dos fiéis com o do Padre seria adotar, uma vez mais, um princípio protestante. Pois, segundo os pseudo-reformadores do século XVI, o celebrante não é sacerdote num sentido diferente daquele em que o povo o é, mas apenas preside a assembléia eucarística, como delegado de todos os circunstantes. Os protestantes afirmam que é o povo que celebra o memorial do Senhor, sob a presidência do chefe da assembléia.

O novo “Ordo” estabelece uma confusão entre o sacerdócio hierárquico e o dos fiéis, quer no rito, quer em vários números da “Institutio”.

l. No “Ordo” tradicional, o “Confiteor” inicial é dito em primeiro lugar pelo Padre, e depois pelo acólito em nome do povo. Essa distinção marca claramente a diferença existente entre o celebrante e os fiéis. No novo “Ordo”, o “Confiteor” é dito simultaneamente pelo sacerdote e pelo povo. Tal modificação tende a insinuar uma identidade entre o sacerdócio do presbítero e o dos leigos. Foi supressa a absolvição dada pelo Padre ao fim do “Confiteor” — outra inovação que contribui para tornar menos precisa a distinção entre o sacerdócio hierárquico e a condição de simples fiel.

Há entre o “Confiteor” da Missa Nova e o dos luteranos traços comuns que chamam a atenção. Lutero também fez do “Confiteor” uma oração comum do sacerdote e da assembléia. O pastor luterano D. Reed, na obra citada acima, indica o alcance dogmático destas mudanças: “Reconhecendo o principio do sacerdócio de todos os fiéis, fez-se da Confissão um ato da congregação, e não apenas do sacerdote” (Luther D. Reed, The Lutheran Liturgy, p. 257).

2. Na Prex eucharistica III (“Vere sanctus”) é dito sem mais ao Senhor: “populum Tibi congregare non desinis, ut a solis ortu usque ad occasum oblatio munda offeratur nomini tuo”, onde o ut (a fim de que) faz pensar que o elemento indispensável à celebração seja o povo em vez do sacerdote; e, uma vez que não se precise nem sequer aqui quem seja o que oferece, o próprio povo surge investido de poderes sacerdotais autônimos (cf. Breve Exame Crítico, V, l).

3. O n.° 7 da “Institutio”, mesmo depois de corrigido, afirma que é o povo que celebra o memorial do Senhor ou sacrifício eucarístico. Note-se, com efeito, que o agente de “celebrandum” não é “sacerdos” ou “Christus”, mas sim “populus Dei”.

“Na Missa ou Ceia do Senhor, o povo de Deus é reunido, sob a presidência do sacerdote, que faz as vezes de Cristo, para celebrar o memorial do Senhor ou sacrifício eucarístico” (“Institutio”, n.° 7).

4. No n.º 10 da “Institutio”, declara-se que a Prece Eucarística constitui uma “oração presidencial”. Acontece que o mesmo número conceitua as “orações presidenciais” como as que “são dirigidas a Deus em nome de todo o povo santo e de todos os circunstantes”. Qualquer leitor será levado por esta passagem a pensar que na Consagração o Padre fala principalmente em nome do povo. Mas a parte principal da Prece Eucarística, que é a Consagração, é dita pelo sacerdote exclusivamente em nome de Nosso Senhor.

Corrobora isto o n.º 12, dizendo que “a natureza das partes presidenciais” (portanto também a Consagração) exige que sejam pronunciadas em voz alta e distinta, e por todos atentamente ouvidas.

A propósito, é bom lembrar o anátema lançado pelo Concilio de Trento: “Se alguém disser que deve ser condenado o rito da Igreja Romana pelo qual parte do Cânon e as palavras da Consagração são proferidas em voz baixa (…), seja anátema” (Denz.-Sch., 1759).

5. A posição do sacerdote é também minimizada:

a) pela maneira de celebrar “versus populum”, que o apresenta não como sacrificador diante do altar a oferecer o Santo Sacrifício, mas como o presidente de uma assembléia a distribuir, diante de uma mesa, o pão a seus irmãos;

b) pelo desaparecimento ou uso facultativo de muitos paramentos (cf. n.° 298 da “Institutio”);

c) pela multiplicidade de ministros (da Eucaristia, leitores, comentadores, sal­mistas etc.), com a conseqüente distribuição entre leigos de funções cultuais que eram peculiares do ministro sagrado;

d) na definição da “oratio universalis seu fidelium” (oração universal ou dos fiéis), na qual se sublinha o “ofício sacerdotal” do povo apresentado de maneira equívoca, pois que se silencia sobre sua subordinação ao sacerdócio do Padre.

Capítulo IV

Testemunho insuspeito de protestantes

É notório que, nos trabalhos de preparação do novo “Ordo Missae”, seis pastores protestantes, especialmente convidados, estiveram presentes. Este fato explica a tendência do novo “Ordo” de conciliar o ponto de vista protestante com o católico nos assuntos relativos à ceia dos protestantes e à Missa da Santa Igreja. Esta tendência teve como resultado um “Ordo Missae” que, segundo declarações de próceres protestantes, pode ser empregado também na liturgia de suas “ceias do Senhor”.

l. Declarações de protestantes:

a) Max Thurian, da Comunidade protestante de Taizé: “Um dos frutos do novo “Ordo” será talvez que as comunidades não-católicas poderão celebrar a santa ceia com as mesmas orações da Igreja católica. Teologicamente é possível” (La Croix, 30-5-69).

b) “O movimento litúrgico de âmbito universal que tem lugar atualmente na Igreja Romana constitui um esforço tardio no sentido de promover uma participação ativa e inteligente do laicato na Missa, de modo que os fiéis possam Julgar-se ‘concelebrantes’ com o sacerdote” (Luther D. Reed, The lutheran liturgy, p. 234).

c) “Agora, na Missa renovada, não há nada que possa verdadeiramente perturbar o cristão evangélico” (SiegevaLt, Prof. de Dogmática na Faculdade protestante de Strasbourg, Le Monde, 22-11-69).

d) “As novas orações eucarísticas católicas abandonaram a falsa perspectiva de um sacrifício oferecido a Deus” (La Croix, 10-12-69, palavras que Jean Guitton diz ter lido em revista protestante muito apreciada).

e) “Se se toma em consideração a evolução decisiva da liturgia eucarística católica, a possibilidade de substituir o cânon da Missa por outras orações litúrgicas, o afastamento da idéia segundo a qual a Missa constituiria um sacrifício, a possibilidade de comungar sob as duas espécies, já não há razões para as igrejas da Reforma proibirem aos seus fiéis tomar parte na eucaristia da Igreja Romana” (Roger Mehl, protestante, em Le Monde, 10-9-70).

f) “Dadas as formas atuais da celebração eucarística na Igreja Católica, e em razão das convergências teológicas presentes, muitos obstáculos que teriam podido impedir um protestante de participar de sua celebração eucarística parecem estar em via de desaparecer. Deveria ser possível, hoje, a um protestante reconhecer na celebração eucarística católica a ceia instituída pelo Senhor (…). Nós nos atemos à utilização das novas preces eucarísticas nas quais nos encontramos e que têm a vantagem de matizar a teologia do sacrifício que tínhamos o hábito de atribuir ao catolicismo. Estas preces nos convidam a encontrar uma teologia evangélica do sacrifício” (Trecho de um documento emanado do Consistório superior da Confissão de Augsbourg e da Lorena, datado de 8-12-73, publicado em L’Église en Alsace, número de janeiro de 1974).

g) “A maior parte das reformas que Lutero desejava existem doravante no interior mesmo da Igreja Católica” — (…) “Por que não se reunir?” (Seppo A. Teinonen, teólogo luterano, professor de Dogmática na Universidade de Helsínqui, jornal La Croix de 15-5-72).

2. Julien Green, anglicano convertido, em sua obra Ce qu’il faut d’amour à l’homme, p. 135, dá seu testemunho: “A primeira vez que ouvi a Missa em francês, tive dificuldade em crer que se tratava de uma Missa Católica. Apenas a Consagração me tranqüilizou, embora ela fosse, palavra por palavra, semelhante à consagração anglicana”.

No mesmo livro, o autor conta a impressão que ele e sua irmã tiveram diante de uma Missa televisionada: Pareceu-lhes uma imitação grotesca do ofício anglicano. No fim ele perguntou à irmã: “Por que é que nos convertemos?” (op. cit., p. 138).

Capítulo V

As traduções

Esses erros e omissões apontados no Capitulo Terceiro se agravam com as traduções em vernáculo do novo “Ordo” nas diversas línguas. O que há de mais grave é que suas infidelidades convergem para uma mesma direção: a de extenuar a pureza e integridade da fé.

Alguns exemplos da tradução portuguesa:

1. “Semper Virginem Mariam” traduzido por “A Virgem Maria” (notar que os protestantes toleram chamar Nossa Senhora de Virgem Maria, mas nunca de “sempre Virgem Maria”).

2. “Et cum spiritu tuo” traduzido por “Ele está no meio de nós” (além de ser infiel, essa tradução insinua uma autonomia dos fiéis com relação ao sacerdócio hierárquico do celebrante, justamente no momento em que se deve marcar que as graças nos são dadas em razão do sacrifício realizado pelo Padre no altar).

3. “Offerimus” traduzido por “Apresentamos” (reforça a nova concepção do ofertório, em que os dons não são propriamente oferecidos a Deus em espírito sacrifical, mas apenas apresentados no altar).

4. “Meum ac vestrum sacrificium” traduzido por “O nosso sacrifício” (insinua identificação do sacerdócio do Padre com o dos fiéis).

5. “Cum Angelis et Archangelis, cum Thronis et Dominationibus, cumque omni militia caelestis exercitus” traduzido por “Com todos os anjos e santos”.

6. “Vita aeterna” traduzido por “Vida”.

7. “Morte perpetua traduzido por “Morte”.

8. “Pro Ecclesia tua Sancta Catholica” traduzido por “Pela vossa Igreja dispersa pelo mundo inteiro”.

9. “Ab aeterna damnatione” traduzido por “Da condenação”.

10. “Pro multis” traduzido por “Por todos” (a respeito desta “tradução” que ocorre na Consagração do vinho, é oportuno citar o comentário autorizado do Catecismo Romano):

“As palavras que se ajuntam ‘por vós e por muitos’ foram tomadas uma de São Mateus, outra de São Lucas. A Santa Igreja, guiada pelo Espírito de Deus, coordenou-as numa só frase, para que exprimissem o fruto e a vantagem da Paixão.

“De fato, se considerarmos sua virtude, devemos reconhecer que o Salvador derramou Sangue pela salvação de todos os homens. Se atendermos, porém, ao fruto que os homens dele auferem, não custa compreender que sua eficácia se não estende a todos, mas só a ‘muitos’ homens.

“Dizendo, pois, ‘por vós’, Nosso Senhor tinha em vista quer as pessoas presentes, quer os eleitos dentre os judeus, como o eram os Discípulos a quem falava, com exceção de Judas.

“No entanto, ao acrescentar ‘por muitos’, queria aludir aos outros eleitos, fossem judeus ou gentios. Houve, pois, acerto em não dizer ‘por todos’, visto que o texto só alude aos frutos da Paixão, e esta surtiu efeito salutar unicamente para os escolhidos” (Parte II, IV, n.º 24).

11. “Et cum spiritu tuo” (no rito da comunhão) traduzido por “O amor de Cristo nos uniu” (dando ênfase ao caráter comunitário da assembléia ali reunida, no qual os progressistas tendem a ver um elemento essencial da Missa).

Quanto aos termos equívocos e jogo de ambigüidades, convém notar que esta sempre foi a tática dos modernistas (e de todos os hereges) para difundir os seus erros. A este respeito, há uma declaração de intenção muito interessante, feita por Dom Duschak, em 5 de novembro de 1962, ou seja, antes das promulgações do Concílio: “Minha idéia”, diz ele, “será introduzir uma Missa ecumênica…” Como se lhe perguntasse se esta proposição vinha de seus diocesanos, ele respondeu: “Não, eu penso mesmo que eles se oporiam, assim como se opõem numerosos bispos. Mas, se se pudesse pô-la em prática, creio que terminariam por aceitá-la” (sic). A redação ambivalente dos textos do Concílio a isso se prestaria. “Nós o exprimimos de maneira diplomática, mas, depois do Concilio, tiraremos as conclusões implícitas…” Diante desta resolução de um membro da Comissão Doutrinal, o nada suspeito teólogo Schillebeeckx teve um sobressalto de indignação: “Eu considero isto desonesto” (Le Rhin coule dans le Tibre, R. P. Ralph Wiltgen, S.V.D., pp. 37-38; Revue De Bazuin 48 (1965), 16, 23-1-65, p. 4).

Capítulo VI

Respondendo a objeções

PRIMEIRA OBJEÇÃO: Hoje já não é necessário conservar o rito tradicional porque já não perigam, como nos tempos de São Pio V, os dogmas relativos ao caráter sacrifical da Missa, ao sacerdócio ministerial e à Presença Real.

 

RESPOSTA: O Proêmio da “Institutio” (n.° 7) dá a entender que o novo “Ordo” deixou de insistir sobre certos dogmas eucarísticos, porque eles hoje em dia já não são impugnados. Esta consideração, “salva reverentia”, é no mínimo ingênua.

Para não nos referirmos, nesta matéria, aos documentos de Pio XII — que condenou numerosas práticas adotadas pelo novo “Ordo” — lembremos apenas alguns fatos mais recentes.

Na Encíclica Mysterium fidei, de 3-9-65, Paulo VI declara que são para ele “causas de grave solicitude pastoral e ansiedade” os erros que correm a respeito das Missas privadas, da transubstanciação, do simbolismo eucarístico etc. O mesmo documento insiste na “distinção não só de grau mas também de essência” entre o sacerdócio hierárquico e o dos fiéis. — Paulo VI teria, nessa Encíclica, investido contra heresias que ninguém atualmente professa?

O Catecismo Holandês e seus congêneres de outros países incidem nestes mesmos erros.

Como negar que o tão prestigiado Pe. Schillebeeckx, por exemplo, proponha as noções de “transfinalização” e “transignificação” em termos inconciliáveis com a doutrina da Igreja e já condenados por Paulo VI na sobredita Encíclica?

Os redatores do Proêmio parecem não ter tido em vista de maneira alguma as influências danosas que o novo “Ordo” possa ter sobre os não-católicos. Pois pelo menos entre estes é incontestável que existem os erros apontados. Na época de ecumenismo em que vivemos, é indispensável apresentar a doutrina da Igreja de modo claro tanto aos seus filhos quanto aos que não o são. Pois só assim será possível evitar mal-entendidos perigosos, que na ordem concreta redundam necessariamente na deformação dos princípios da Fé.

Causa, outrossim, estranheza o fato de que nos documentos introdutórios à Nova Missa se apontam apenas os aspectos favoráveis do movimento litúrgico do tempo de Pio XII, calando por completo os gravíssimos erros que infestam largos setores desse movimento, e que determinaram o Papa a escrever a Encíclica Mediator Dei. Agora, os redatores do Proêmio afirmam que semelhantes erros não existem. Um exame cientifico e objetivo desses pronunciamentos obriga a conceber a hipótese de que os autores do Proêmio teriam sido envolvidos por um conhecido e perigoso processo dialético: admitem em tese que certas doutrinas são heréticas, mas negam que em concreto haja alguém que as professe; e daí partem para uma ação que, tanto na ordem da propaganda ideológica quanto da vida prática, redunda no favorecimento e mesmo na promoção do erro.

Acresce que a inexistência de tais desvios doutrinários é alegada, pelo Proêmio, como razão para que se introduzam na Missa inovações que São Pio V rejeitou porque, existindo então os mesmos desvios, viriam elas prejudicar gravemente a fé. Portanto, dado que semelhantes erros hoje existem — como é manifesto que existem — os argumentos dos redatores do Proêmio se voltam contra eles próprios.

SEGUNDA OBJEÇÃO: A “Institutio”, em alguns números, afirma também a doutrina tradicional. Ora, os textos eventualmente confusos devem ser interpretados pelos claros; e os aparentemente heterodoxos, pelos ortodoxos. Portanto, o documento, considerado no seu todo, não pode ser tido como suspeito.

 

RESPOSTA:

A) Em princípio, é verdadeira a regra segundo a qual os textos confusos e obscuros de um documento devem ser interpretados pelos claros.

B) Mas a regra segundo a qual os textos suspeitos ou heterodoxos devem ser interpretados pelos ortodoxos exige uma distinção:

a) a regra é aplicável quando as passagens suspeitas ou heterodoxas ocorrem apenas uma vez ou outra, à maneira de lapso;

b) mas a regra não vale quando as passagens suspeitas ou heterodoxas são numerosas (pois o que ocorre à maneira de lapso é, por natureza, casual e em pequeno número): nesta hipótese, deve-se recorrer a outras regras e a outros meios de interpretação;

c) quando, além de numerosas, as passagens confusas, suspeitas e heterodoxas formam, umas com as outras, um sistema de pensamento, a citada regra de interpretação não vale, mas aplica-se a regra oposta: é mister então perguntar se não são os textos ortodoxos que devem ser interpretados à luz dos confusos, suspeitos e heterodoxos.

TERCEIRA OBJEÇÃO: As objeções dos tradicionalistas contra o novo “Ordo Missae” de Paulo VI, além de sutis e capciosas, envolvem uma interpretação unilateral e tendenciosa das modificações da nossa liturgia, que podem ter um bom sentido. Ora, tendo já a Santa Sé aprovado o novo “Ordo”, o certo seria dar uma interpretação favorável ao que ali é ambíguo.

RESPOSTA: Paulo VI afirmou, em seu discurso de 19-11-69 que “o rito e a rubrica respectiva por si não são uma definição dogmática; são susceptíveis de uma qualificação teológica de valor diverso, segundo o contexto litúrgico a que se referem; são gestos e termos que se relacionam com uma ação religiosa (…), ação que só a critica teológica pode analisar e exprimir em fórmulas doutrinárias logicamente satisfatórias” (A.A.S. 1969, p. 779). É justamente o que fazemos, desde que a Santa Sé não se tenha pronunciado de maneira definitiva e irreformável dando a interpretação autêntica. Nosso critério é a doutrina oficializada pela mesma Santa Sé.

Ora, o que percebemos é que todas as modificações convergem numa mesma direção: silenciar, desbotar, debilitar, ocultar afirmações dogmáticas já definidas sobre os principais mistérios da Santa Missa. É como em certos desenhos pontilhados: unindo-se com um risco um ponto a outro, descobre-se uma figura. Assim também, somando-se todas as omissões e falhas do novo “Ordo”, configura-se claramente uma tendência doutrinária declarada. As declarações de teólogos protestantes, as idéias correntes em meios teológicos católicos, o clima de falso ecumenismo coincidem com a interpretação que damos do novo “Ordo”.

Ora, a Igreja sempre foi cuidadosa em evitar que qualquer expressão, proposição ou rito pudesse prestar-se a interpretações errôneas, reforçando com termos ou gestos inequívocos o sentido ortodoxo.

As restrições que fazemos aos diversos tópicos da Nova Missa não são todas de igual importância. Sem dúvida que, tomando-se separadamente cada falha e ambigüidade do novo “Ordo”, parece difícil e capcioso descobrir nele laivos de protestantismo, mas, somando essas ambigüidades e omissões, ligando-as como no desenho pontilhado, então tudo se torna claro e explícito, o que faz com que o todo mereça restrições mais graves do que cada parte passível de reservas.

QUARTA OBJEÇÃO: O Papa pode inovar os ritos da Santa Missa. Com o novo “Ordo”, Paulo VI não fez outra coisa. Não há, pois, razão para recusá-lo.

 

RESPOSTA: Não temos reservas na aceitação do princípio acima enunciado, desde que seja retamente entendido e aplicado, dentro da Doutrina Católica. Ora, segundo esta, as determinações, também disciplinares, como as normas litúrgicas, não podem ser tais, que, mesmo implicitamente, se oponham ao depósito da Revelação. É o que se deduz da definição do dogma da infalibilidade pontifícia, como foi enunciado pelo I Concílio do Vaticano: “O Espírito Santo”, diz o Concílio, “não foi prometido aos sucessores de São Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo Espírito Santo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da Fé, ou seja, a Revelação herdada dos Apóstolos” (Denz.-Sch., 3070).

Por essa definição se vê que, no exercício do Magistério infalível, o Papa deve manter-se fiel à Tradição.

O Papa pode enriquecer a Liturgia, mas não pode perpetuar uma espoliação litúrgica que destrói o precioso patrimônio de orações, música e cantos acumulados nos séculos, guardado com sumo cuidado pelos Romanos Pontífices, invejado por todos os inimigos da Igreja Católica, causa de numerosas conversões.

Menos ainda está no direito pontifício suprimir um rito que dá o devido culto a Deus para substituí-lo por um rito lacunoso, ambíguo, desalinhado, sem brilho, que deixa o campo aberto a extravagâncias, irreverências e profanações.

Também não está no direito do Papa promulgar um novo “Ordo” que não se conforma com a norma secular da Igreja em matéria litúrgica: “Lex orandi, lex credendi”. Porque isto se opõe ao dever do Papa de “exprimir fielmente (…) o depósito da Fé” e prejudica gravemente a “salvação das almas”.

O poder foi outorgado à autoridade eclesiástica para a edificação do Corpo Místico de Cristo, não para a destruição (II Cor. 10, 8).

É por isso que a autoridade do Papa não pode e não deve nunca identificar-se com o arbítrio, mas permanece limitada pelo direito divino natural e positivo, pelo maior bem da Igreja, pela salvação das almas, bem como pela necessidade do reto uso da razão.

Quando as disposições papais fogem dos limites acima indicados, não obrigam.

QUINTA OBJEÇÃO: “Par pari non obligat” (um igual não obriga ao igual). Então, o que um Papa fez outro não o pode desfazer?

 

RESPOSTA: Pode-se afirmar este princípio de maneira absoluta e em todos os campos? Claro que não. Por exemplo: um Papa não pode declarar no futuro que Nossa Senhora não foi assunta ao céu em corpo e alma, pois é dogma já definido por Pio XII. Neste sentido se entendem as palavras do Evangelho: “Tudo o que ligares na terra será ligado no céu” (Mat. 16, 19).

Um Papa não pode revogar a canonização de um santo após tê-la livremente decretado. Um Papa não pode revogar os vínculos matrimoniais válidos.

Os Papas são iguais em poderes “ratione officii”, enquanto Papas; mas nas questões sobre as quais emitem definições, “ratione materiae”, eles não podem definir livremente sobre todas as matérias, pois estão “ligados” pela Sagrada Escritura, pela Tradição e pelas definições já proferidas pela Igreja no seu Magistério perene, ao qual estão subordinados e não podem contradizer (cf. Pio IX na Carta Apostólica Mirabilis illa constantia, ratificando a declaração coletiva dos bispos alemães que afirmam, além do que dissemos acima, que “a opinião de que o Papa por força de sua infalibilidade é um príncipe absolutíssimo supõe um conceito errôneo do dogma da infalibilidade papal” (Denz.-Sch., 3116 e 3117).

Portanto, não está em questão a igualdade do poder dos Papas enquanto Papas, e sim a diferença das matérias sobre as quais este poder é exercido. A extensão do poder das chaves evidentemente não abrange o “ligar” e “desligar” contra o direito divino, contra a Sagrada Escritura, contra a Tradição ou contra as definições já dadas pelo Magistério.

SEXTA OBJEÇÃO: Mas é o Papa quem determina o que está conforme a Tradição e o que não está.

RESPOSTA: De acordo. E esta é a razão da firmeza de nossa posição. O Papa Pio IV, por exemplo, no Concílio de Trento (Sessão XXII, cap. 4), declarou e definiu que o Cânon da Missa tradicional é isento de todo o erro e lançou o anátema sobre quem dissesse o contrário e afirmasse que ele deve ser ab-rogado. Portanto, o Papa é o intérprete da Tradição. Mas a Tradição não está ao sabor de cada Pontífice. A ela até o Papa está ligado. O Papa evidentemente pode explicitar e explicar o que está contido na Tradição, mas não entrar em contradição com ela. Pois o Espírito Santo não lhe foi dado para ensinar uma nova doutrina, mas para conservar e expor fielmente o depósito que recebeu (cf. declaração do Vaticano I, in Objeção 4.ª).

O poder do Papa é supremo, mas não ilimitado.

Se houvesse uma controvérsia sobre se tal doutrina está conforme ou não com a Tradição, então o Papa, usando o seu carisma de infalibilidade, poderia definir a questão. Mas, no caso, não há propriamente controvérsia, pois os dogmas eucarísticos e verdades não explicitadas na Missa Nova já foram claramente definidos pelo Magistério da Igreja, e as heresias ali favorecidas já foram, uma vez por todas, condenadas. Portanto, ao não seguir a Missa Nova, estamos seguindo a Tradição claramente interpretada pelo Magistério da Igreja.

SÉTIMA OBJEÇÃO: A Igreja, no decurso dos séculos, já modificou várias vezes a sua Liturgia. Por que não aceitar as modificações atuais?

 

RESPOSTA: Diz o adágio: “Lex orandi, lex credendi”. Fé e oração estão em estreita ligação. São correlatas. A oração litúrgica é a expressão de nossa Fé. Daí, com o desenvolvimento orgânico e homogêneo do dogma, deu-se o progresso orgânico e homogêneo da Liturgia. E mais. Quando a Fé era atacada pelos hereges, a Igreja dava-lhes resposta na sua Liturgia com enriquecimentos anti-heréticos que, ao mesmo tempo, reafirmavam e consolidavam a fé dos fiéis. Basta que consultemos a história da Liturgia, de que recordamos alguns pontos.

Assim, os Maniqueus consideravam a matéria como princípio do Mal e diziam que a Missa não era sacrifício. Contra eles a Igreja (Papa São Leão) acrescentou ao Cânon da Missa as palavras “sanctum sacrificium, immaculatam hostiam”, explicitando assim a realidade e santidade do sacrifício eucarístico.

Os Arianos negavam a divindade de Jesus. Gostavam da expressão “pelo Filho no Espírito Santo”. Como reação, exprimindo melhor a doutrina, estabeleceu-se esta: “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”. E, para refutar o sentido que os Arianos davam a fórmulas como “por Cristo Nosso Senhor”, a Liturgia Romana desenvolveu esta terminação breve das orações na terminação longa “por Nosso Senhor Jesus Cristo, que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo, Deus, por todos os séculos dos séculos…”

Os hereges pelagianos entre outras coisas negavam a necessidade da graça e o pecado original. Muitas orações do Missal Romano no tempo pascal e depois de Pentecostes (por exemplo, as orações do I, IX e XVI domingos depois de Pentecostes) são a condenação, um por um, dos erros destes hereges.

Os Semipelagianos incidiram no mesmo erro de negar a necessidade da Graça. A reação litúrgica contra eles, para mostrar que a todo o momento necessitamos do auxílio de Deus, foi a introdução da invocação “Deus in adjutorium meum intende” (Deus, vinde em meu auxilio), extraída dos Salmos, no começo de todas as horas canônicas.

No século XII, Berengário ensina erros sobre a presença real, e alguns começaram a afirmar que a presença de Cristo na Eucaristia só se dava depois da consagração do Cálice. Contra isso, a Igreja introduz a elevação da Hóstia para ser adorada pelos fiéis antes de começar a consagração do Cálice.

Os Cátaros, no século XII e XIII, negavam a Encarnação e também a Transubstanciação. Segundo esta heresia, o espírito, que é bom, não pode habitar a carne, que é má. Uma das respostas da Igreja à ameaça herética foi a instituição, em 1285, da recitação do último Evangelho (Prólogo de São João), no final da Missa, com a genuflexão ao “Et Verbum caro factum est”.

Os Jansenistas começaram a esfriar a devoção do povo. Como reação litúrgica foi introduzido o culto do Sagrado Coração de Jesus.

Contra o laicismo moderno Pio XI instituiu a festa de Cristo Rei, uma reação litúrgica com expresso intuito doutrinário. (Observações históricas extraídas do livro Valor Teológico da Liturgia, Pe. Manuel Pinto, SJ).

Assim foi no decurso dos séculos até hoje. E ninguém deixou de aceitar as modificações litúrgicas e o progresso da Liturgia, pois eram um verdadeiro enriquecimento de acordo com a Tradição, fortalecimento da Fé contra as heresias, um autêntico progresso. Tradição é a soma de um passado com um presente que lhe é afim.

Ora, conforme se viu no decurso deste trabalho, as modificações atuais são completamente opostas ao modo tradicional de agir da Igreja. Os cortes e acréscimos atuais são sensivelmente favorecedores da heresia. A diminuição das genuflexões, sobretudo logo após a Consagração, a supressão das orações do Ofertório, a mutilação do Cânon Romano, a introdução de novas Preces Eucarísticas, a equiparação da liturgia da palavra com a liturgia eucarística, a maneira de celebrar “versus populum” e todo o conjunto das modificações da nova liturgia demonstram que não foram acréscimos no sentido de enriquecer e explicitar mais os mistérios eucarísticos, nem de evitar quaisquer interpretações heréticas, nem de nos robustecer mais na fé, mas, ao contrário, tornaram-nos inexplícitos e ambíguos, fazendo assim que a Missa perdesse a identidade de sacrifício da Igreja Católica.

Assim se compreende que os protestantes, que negam os dogmas eucarísticos e detestam a Missa tradicional, agora dizem poder celebrar a sua “ceia” com os textos da Missa Nova. Assim se compreendem melhor as estatísticas comprovando a diminuição do fervor dos fiéis. Assim se compreende também a reação dos verdadeiros fiéis católicos a essas novidades.

Favorecer a heresia não pode ser matéria de obediência.

OITAVA OBJEÇÃO: Se o novo “Ordo” aproxima a liturgia da Missa do rito protestante da ceia, já que foi ele imposto à Igreja toda, chegaríamos à conclusão de que a Igreja teria falhado contra a promessa de Jesus Cristo; pois teria induzido os fiéis ao erro e à perda da Fé. Não podemos admitir semelhante defecção da Igreja. Devemos, pois, afirmar que o novo “Ordo” não contém tais deficiências, e deve ser aceito.

 

RESPOSTA: Esta objeção parte do princípio de que a Igreja é infalível nas suas leis litúrgicas gerais. Ora, existem razões, tanto de ordem doutrinária quanto histórica, para pôr em dúvida que as leis litúrgicas universais impliquem sempre e necessariamente a infalibilidade da Igreja. Na teologia das últimas décadas vem-se tornando cada vez mais claro que as disposições gerais nesta matéria envolvem a autoridade da Igreja em graus variáveis, segundo a medida em que a Santa Sé ou a sagrada Hierarquia tenham empenhado, em cada caso concreto, a sua autoridade. (Sobre este assunto leia-se o folheto: A Infalibilidade das Leis Eclesiásticas, de A. V. Xavier da Silveira, 1971).

Outrossim, acrescentamos:

a) O argumento prova de mais. Com efeito, a mesma Igreja que agora é apresentada como impondo o novo “Ordo Missae” editou antes do II Concilio do Vaticano normas litúrgicas discordantes do novo “Ordo”, e as impôs a toda a Igreja. E de fato foram aplicadas em toda a Igreja. Alguns exemplos:

1.º) Pio VI, ao condenar o Sínodo de Pistóia, proscreveu a introdução do vernáculo na Liturgia, como coisa falsa, temerária, perturbadora da ordem prescrita na celebração dos Mistérios, facilmente causadora de muitos males (Prop. 66 — Denz.-Sch., 2666). O novo “Ordo” introduz o vernáculo. Perguntaríamos: Qual das duas igrejas falhou: a anterior ao II Concilio do Vaticano ou a posterior?

2.°) Não se diga que, mudadas as condições, o que era inconveniente passou a ser aconselhável. Com efeito, há exemplo de mudança semelhante, onde não há, em absoluto, lugar para a explicação de uma subseqüente conveniência. De fato, o Concilio de Trento anatematiza os que condenam o rito que manda dizer em voz baixa as palavras da Consagração (Ses. 22, cn. 9 — Denz.-Sch., 1759). O novo “Ordo”, ao contrário, afirma que as palavras da Consagração, por sua própria natureza (grifo nosso), devem ser ditas em voz clara e audível (Rubrica n.º 91). Perguntamos: Qual das duas igrejas errou: a de Trento ou a do novo “Ordo”? E aqui notemos que, ao declarar que “por sua própria natureza” as palavras da Consagração devem ser ditas de modo claro e audível, o novo “Ordo” está a dizer que sempre, em toda a parte e em todo o tempo, essas palavras devem ser pronunciadas desse modo ao celebrar a Santa Missa. Porquanto o que é exigido pela própria natureza transcende o tempo e o espaço.

b) O argumento, portanto, prova de mais, ou seja, não prova nada. Ou melhor, dá azo a que se veja a possibilidade de se esgueirar algum erro ou engano numa determinação litúrgica, ainda que imposta a toda a Igreja (cf. A Infalibilidade das Leis Eclesiásticas, pp. 20-21).

c) Esta observação explica a frase de Inocêncio III de que ele (Papa) não poderia ser julgado pela Igreja, a não ser pelo pecado que cometesse em matéria de fé (cf. Billot, Trat. De Ecclesia Christi, t. I, pp. 618-619, 1909).

NONA OBJEÇÃO: Mas como salvar a indefectibilidade da Igreja, se toda Ela aceitou pacificamente o novo “Ordo”?

 

RESPOSTA: Contestamos que essa aceitação tenha sido pacífica, que não tenha despertado estranheza precisamente porque inovava num sentido oposto ao da Tradição.

Tão logo promulgado, o novo “Ordo” suscitou dúvidas, perplexidades, problemas de consciência e reações, da parte de Cardeais, Sacerdotes, teólogos e leigos. Assim, os Cardeais Ottaviani e Bacci escrevem em carta a Paulo VI (5-10-69): “A parte melhor do Clero passa, nestes momentos, por uma torturante crise de consciência, da qual possuímos testemunhos inumeráveis e quotidianos”. Um grupo de teólogos e outro de canonistas, em artigos bem sólidos na revista Pensée Catholique, n.º 122, de 1969, pp. 1-47, evidenciam o distanciamento do novo “Ordo” com relação ao Dogma católico, tão bem expresso no Ordo tradicional, e os canonistas respondem a uma consulta suscitada por dúvidas surgidas quando da promulgação do novo “Ordo”. A Revista francesa Itinéraires, editada em Paris (4, rue Garancière), em vários números, especialmente o 146, de 1970, apresenta artigos e testemunhos sobre o assunto. O escritor francês Louis Salleron publicou em Nouvelles Éditions Latines, Paris, 1970, o livro: La nouvelle Messe — uma critica serena e fundamentada do novo “Ordo”. Veja-se também Catolicismo, n.º 242, fevereiro de 1971: “Sobre a Nova Missa: Repercussões Que o Público Brasileiro Ainda Não Conhece”.

É significativa a reação do Episcopado inglês que pediu à Santa Sé para continuar a usar o Missal Romano, codificado por São Pio V, como noticiaram os jornais na ocasião, por exemplo o jornal brasileiro O Globo, em sua edição de 17-7-71.

O argumento da aceitação do novo “Ordo” valeria se ela significasse a adesão ao que ele envolve não somente enquanto rejeita o que há no antigo, mas também enquanto prescreve as novas idéias que seus ritos indicam. Ora, nenhuma das duas conseqüências consta com certeza. A aceitação envolve apenas um ato de subordinação ao supremo Hierarca, subordinação que só se entende à luz da afirmação várias vezes repetida de que Ele não modificou essencialmente o rito da Missa. Em outras palavras: não estava, acaso, Paulo VI preocupado em acalmar os temores dos fiéis que não aceitariam uma Nova Missa em essência diferente da antiga? Para tanto, era preciso convencê-los de que, apesar das aparências, na realidade a Missa não era nova. Era a mesma de sempre, com leves retoques.

Mostramos que os retoques, de fato, afetaram essencialmente o Sacrifício da Missa. Tanto assim que protestantes, que não admitem o Sacrifício da Missa, aceitam as preces do novo “Ordo” para a celebração de sua ceia comemorativa da Ceia do Senhor.

 

 

DÉCIMA OBJEÇÃO: Ao superior compete mandar e ao súdito obedecer. Já que Paulo VI promulgou o novo “Ordo” e os Bispos no-lo impõem, não se peca por desobediência recusando-o?

 

RESPOSTA: Recordemos primeiramente o ensino da Igreja sobre a obediência. Ela é uma virtude moral que inclina nossa vontade a submeter-se à vontade de Deus ou à de um superior, considerado como intermediário da vontade divina. Como todas as virtudes morais, a obediência, para ser virtuosa, deve ser governada pela prudência. Ao passo que as virtudes teologais não podem ser transgredidas senão por defeito, as virtudes morais podem ser transgredidas por defeito ou por excesso. Dai o provérbio bem conhecido: “Virtus in medio”. A virtude está num justo meio. Este justo meio é indicado pela prudência sobrenatural.

Já que a obediência nos inclina a submeter nossa vontade à de um superior, enquanto este é o representante da vontade divina, que é preciso para que haja obediência? Há que haver uma ordem. Mas uma ordem que venha de um superior legitimo que ordene dentro do campo onde pode exercer sua autoridade. Este direito de mandar vem de Deus: “Tu não terias nenhum poder sobre Mim, se não te fosse dado do alto” (Jo. 19, 11).

Nestas condições, se aquele que manda ultrapassa o âmbito de seu direito, seu poder neste ponto não lhe vem do alto; não existe ordem propriamente dita, mas abuso de poder. Todo inferior está obrigado a obedecer a seu superior em tudo aquilo em que lhe está submisso, quer dizer, em tudo aquilo em que o superior tem direito sobre ele. Obediência incondicional e em tudo só se deve a Deus.

A obediência cega não escusa a responsabilidade dos súditos, e estes terão de prestar contas a Deus.

Recusando o novo “Ordo Missae” promulgado pelo Papa e imposto pelos Bispos, nós não desobedecemos, lembra­mos apenas, respeitosamente, os contornos que a Revelação impõe às autoridades na Igreja.

DÉCIMA PRIMEIRA OBJEÇÃO: Mas rejeitando a nova Missa não se está formando um cisma?

 

RESPOSTA: Permanecendo-se fiel à Tradição, não se pode cair na heresia nem no cisma. É na novidade que há perigo de cisma ou de heresia.

Para caracterizar-se um cisma, é necessário que haja, por um lado, rejeição da autoridade pontifícia ou recusa de submissão aos preceitos e julgamento da Igreja, e, por outro, rejeição de comunhão com os membros da Igreja. Reconhecemos a autoridade do Papa sobre a Igreja Universal e sobre cada um dos fiéis. A recusa de obediência a um ato do Papa, de si, não envolveria cisma. Mas, no presente caso, não se trata nem sequer de desobediência. É justamente por obediência à Tradição e ao Magistério perene da Igreja que recusamos o novo “Ordo”. Esta “resistência” àquilo que seria uma vontade do Papa nada tem que ver com desobediência. Repetimos com São Bernardo: “Aquele que faz um mal porque lhe mandam faz menos um ato de obediência do que de rebeldia” (Carta XXXIII, em Cartas Diversas). Assim, o Cardeal Caraffa, opondo-se energicamente à vontade do Papa Sisto V, que queria publicar uma versão defeituosa da Bíblia, não fez cisma. Como também não fez cisma São Bruno de Segni opondo-se a Pascoal II na questão das investiduras. Nem são acusados de provocar cisma Guido de Vienne, São Hugo de Grenoble e São Godofredo de Amiens pelo fato de ameaçarem romper com Pascoal II, caso este não confirmasse as decisões sinodais contrárias aos decretos arrancados pelo Imperador ao Papa.

Outrossim, um rompimento formal com os costumes fundados em Tradição Apostólica, sobretudo em matéria de culto, envolve cisma. Por isso, o teólogo Suárez não teme afirmar que poderia ser considerado cismático o Papa que “quisesse subverter todas as cerimônias eclesiásticas fundadas em tradição apostólica” (De Caritate, disp. XII, sect. I, n.° 2, pp. 733-734). Ora, uma liturgia heretizante e tendente à dessacralização não tem base alguma na Tradição; pelo contrário, constitui uma ruptura formal e violenta de todas as regras que até hoje orientaram o culto católico.

 

Bibliografia

L’Ordo Missae de Paul VI: qu’en penser?, Arnaldo Xavier da Silveira, Diffusion de la pensée française, Chirer-en-Montreuil, 1975, 360 pp.

Breve Exame Crítico (apresentado ao Papa pelos Cardeais Ottaviani e Bacci).

Revistas e jornais consultados: Catolicismo, Itinéraires, Si Si No No, Permanência.

“Olhando ao fundo o problema, não há debate entre a antiga Missa e a nova Missa. Não há senão o problema da Missa em si mesma. Permanece sempre “lex orandi, lex credendi”. A lei da oração não faz senão um todo com a lei da fé. Tal fé, tal Missa. Tal Missa, tal fé. Quando se enfraquece a crença na transubstanciação, no sacerdócio ministerial, no sacrifício eucarístico, a Missa vacila. E assim também, quando a Missa se torna refeição fraterna, exaltação comunitária e improvisação profética, as verdades de fé que ela encarna se evaporam. Tudo, hoje, se destrói em conjunto. Tudo não será restaurado senão em conjunto. Nós não assistimos à eclosão de uma Missa nova nem ao fim de uma Missa antiga. Assistimos ao eclipse da Missa eterna. Mas os eclipses só duram certo tempo” (Louis Salleron, La nouvelle Messe).

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