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Doutrina, instrução e ação católica

João Medeiros

“Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio. Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as hostes espirituais do mal nos ares celestes. Tomai, portanto, a armadura de Deus, para que possais resistir nos dias maus e manter-vos inabaláveis no cumprimento do vosso dever. Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz. Sobretudo, embraçai o escudo da Fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados do Maligno.” — São Paulo aos Efésios VI, 11-16

No último capítulo da epístola aos Efésios, o Apóstolo dos Gentios, já prisioneiro dos romanos, dirige valiosas palavras aos cristãos de Éfeso, na costa jônica hoje pertencente aos turcos. São Paulo oferece conselhos práticos e precisos ao povo de Éfeso, conselhos estes que poderiam muito bem ser resumidos em algumas poucas palavras do próprio Verbo Divino Encarnado, “buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt VI, 33): ao reinar de Deus sobre si e em crescimento na vida da Graça e em virtudes, tudo mais é acrescentado, incluso a força advinda da graça santificante de Deus para o combate às ciladas demoníacas e ao pecado. As palavras do Apóstolo são norteantes nestes tempos nebulosos e de obscuridade não só no mundo, mas também dentro da Igreja – que foi banhada pelo mundo no insólito Concílio.

“Na verdade, o bem-aventurado Apóstolo Paulo exorta-nos, com instância, a guardarmos a fé que, uma vez por todas, foi confiada aos Santos. Escreve, pois, a Timóteo que guarde o bom depósito, porque instariam tempos perigosos, durante os quais haviam de erguer-se, na Igreja de Deus, homens maus e sedutores. Valendo-se de tal cooperação, o ardiloso tentador tudo faria por induzir os ânimos incautos em erros contrários à verdade do Evangelho.” — CLEMENTE XIII, In Dominico Agro, 1761

Em tempos como este, novas gerações de católicos – reconheçamos que com muita boa vontade e ânimo de espírito – parecem ter acordado de um coma letárgico que por décadas acometeu os católicos de todo o orbe, salvo por raras e honorabilíssimas exceções como Dom Marcel Lefebvre e Dom Castro Mayer, Gustavo Corção e Orlando Fedeli, Michael Davies e Walter Matt e um pequeno punhado de outros; mas em tamanho ímpeto, por vezes descontrolado, para colocar as coisas em ordem, atropelam a própria ordem daquilo que desejam restabelecer, até mesmo dispostos a funestamente cortejar as técnicas da Revolução.

Relembramos que nos referimos à Revolução não como em algum de seus capítulos, como a Protestante ou a Francesa, mas àquela do non serviam luciferino que antecede, inspira e engloba as revoluções dos homens. Desta mesma Revolução, que desviou muitos homens da Cidade de Deus, querem católicos, com boa vontade e grande ignorância – que é culpável pela possibilidade de aprender a reta doutrina -, servir-se de suas estratégias, como as táticas traiçoeiras de Gramsci ou Maquiável; ou ainda empreender uma revolução “às avessas, inversa e com os valores corretos”, como que querer chegar ao Céu pelo Inferno, empreitada evidentemente absurda e de realização impossível.

“Onde não for meio-dia e não houver luz tão clara, que se distinga perfeitamente a verdade, fácil será que por ela se tome uma falsa doutrina, na aparência de verdadeira. Na obscuridade, dificilmente se logra distinguir uma da outra.” — CLEMENTE XIII, In Dominico Agro, 1761

Os ensinamentos apostólicos da Igreja permanecem em sua inteireza como um grande tesouro disponível para todos que o procurarem, e neles devemos os católicos buscar a boa instrução na Fé da Igreja. Os Romanos Pontífices reiteradamente alertam há séculos dos graves perigos que a falta de instrução na Fé podem levar o homem a cair. A respeito disso, já alertava o Papa Clemente XIII há quase três séculos que “o inimigo do gênero humano poderia espalhar cizânia de permeio, enquanto os obreiros dormissem” para haver “mais erva […] para queimar ao fogo”, e isto se daria precisamente pela falta de instrução de toda a doutrina necessária aos fiéis, instrução esta realizada “de maneira absolutamente livre de qualquer erro” (CLEMENTE XIII, In Dominico Agro, 1761).

“Uma vez que da ignorância da religião procedem tantos e tão graves danos, e que, por outro lado, são tão grandes a necessidade e a utilidade da formação religiosa, pois em vão seria esperar que alguém pudesse cumprir as obrigações de cristão sem as conhecer, convém averiguar agora a quem compete preservar as almas daquela perniciosa ignorância e instrui-las em ciência tão indispensável.”

— PIO X, Acerbo Nimis, 1905

É mister e mais que salutar, mas de legítima urgência, que os católicos sejamos educados na Sã Doutrina, “a doutrina que Jesus Cristo Nosso Senhor nos ensinou, para nos mostrar o caminho da salvação.” (PIO X, Catecismo Maior, 4), e a recebamos e aprendamos da Santa Igreja Católica (idem, ibidem, 7), que em seu Sagrado Magistério e Santa Tradição possui uma miríade de ensinamentos verdadeiramente ricos para a alma cristã. É a urgência de que fala Leão XIII no trato dos deveres fundamentais do católico, em reforço ao ensinamento de seus Predecessores, ao salientar que deve ser “o primeiro dever de cada um […] conservar a fé profundamente arraigada em sua alma, livrando-se de todos os perigos e […] mantendo-se armado contra falácias e sofismas.”. “Ficai alerta, […] cingidos com a verdade”, diz São Paulo, em sucessão apostólica de ensinamentos magistralmente repetido noutras palavras pelo Papa do Rosário, que continua a aconselhar que “a fim de melhor manter a integridade dessa virtude, […] se aplique bem ao estudo da doutrina cristã e faça que sua alma se embeba, o mais possível, das verdades da fé acessíveis à razão.” (LEÃO XIII, Sapientiae Christianae, 1890): a boa instrução na Sagrada Doutrina é terminantemente necessária para a salvação.

“Afirmamos que a maior parte dos condenados às penas eternas padece sua perpétua desgraça por ignorar os Mistérios da Fé, que necessariamente se devem saber e crer para que alguém se conte entre os eleitos” — BENTO XIV, Instit. 27, 18

É também na boa instrução doutrinal que deve ser realizada a ação católica de anunciar o Evangelho da paz. A ação católica é como que a matéria que tomou sua forma pela Doutrina da Igreja, que constitui sua alma. Uma ação que quer ser católica, mas que não corresponde à esta forma, é cadavérica, como um corpo que morre e tem sua alma separada dele. A compreensão correta da reta doutrina é o primeiro passo necessário à toda iniciativa, seja de cunho individual ou coletiva, pois a ação católica e a Doutrina da Igreja são intrínseca e impreterivelmente unas e indivisíveis.

Longe de nós a conclusão de que somente o conhecimento da reta doutrina é suficiente para impedir a coexistência de comportamentos reprováveis e das más inclinações da natureza humana manchada pela cicatriz do pecado original. Mas com São Pio X, entendemos que “quando ao espírito envolvem as espessas trevas da ignorância, nem a vontade pode ser reta, nem sãos os costumes”, pois “aquele que caminha de olhos abertos poderá afastar-se […] do rumo reto e seguro; mas o cego está em perigo certo de perder-se” (PIO X, Acerbo Nimis, 1905).

“A ação católica […], na medida em que se propõe a restaurar todas as coisas em Cristo, constitui um verdadeiro apostolado para a honra e glória do próprio Cristo. Para bem cumpri-lo, é preciso que se tenha a graça divina, e esta não se dá ao apóstolo que não estiver unido a Cristo. Somente quando tivermos formado em nós Jesus Cristo é que podemos mais facilmente comunicá-Lo às famílias e à sociedade. E por isso, todos aqueles que são chamados a dirigir ou que se consagram à promover o movimento católico, devem ser católicos à toda prova, convictos de sua fé, solidamente instruídos nos assuntos religiosos, sinceramente obedientes à Igreja, e especialmente à suprema Sé Apostólica e ao Vigário de Jesus Cristo sobre a terra; [devem ser pessoas] de piedade verdadeira, de varonil virtude, íntegras nos costumes e de uma vida de tal modo intemerata, que elas sirvam a todos de eficaz exemplo.” — PIO X, Il Fermo Proposito, 1905

Na luta para se restabelecer a ordem das coisas, o primeiro dever é justamente ordenar-se a si mesmo ao Altíssimo, pois “Nosso Senhor é a forma: nós precisamos ser remodelados por ela.” (SHEEN, Fulton John. A Cruz, Vitória sobre os Vícios. São Paulo: Molokai, 2018, p. 89). Querer restaurar o Reinado de Cristo na nação sem antes fazê-Lo reinar sobre si é vaidade. Quando a ação exterior toma primazia sobre a vida interior, os frutos que dela sairão serão puramente superficiais, e depois, a ruína, porque é uma casa construída sobre a areia. A vida interior é a alma de todo apostolado. E esta mesma ordem se dá com os apostolados, que devem em primeiro lugar buscar o bom conhecimento da Sã Doutrina e uma vida interior bem e retamente edificada, para depois se tomar as ações necessárias com base na primeira, nunca o contrário, pois a pastoral não substitui a Doutrina, mas a pressupõe. Como diz a sabedoria popular, não se põe o carro na frente dos bois.

Com efeito, é desta maneira que o heroico brado “Viva Cristo Rei!” será inteiro, com o conhecimento e adesão irrestrita à Sagrada Doutrina da Igreja de Cristo Nosso Senhor, não só por palavras ou abstrações, mas em atos e casos concretos, uma vez que a Cruz Coroada é para os que praticam a verdade, não para os que falam ou escutam sobre ela.

Nesta guerra incessante que a Igreja Militante está obrigada a manter contra o mundo, a carne e o diabo, “toda a nossa vida é certamente envolvida em uma constante batalha, na qual se trata principalmente da salvação eterna, e nada é mais vergonhoso para um cristão do que faltar aos próprios deveres por covardia.” (LEÃO XIII, Inimica Vis, 1892), e para cumprir com estes deveres e combater bem tal batalha, a devida preparação deve ser realizada, visto que para as almas despreparadas “não só será difícil promover o bem aos demais, mas será quase impossível agir com retidão de intenção” (PIO X, Il Fermo Proposito, 1905).

Concretamente, a instrução deve ser buscada através de bons padres – que pela ordenação possuem o múnus da docência -, de boas leituras e de um caminho muito fácil que a Igreja dá-nos a graça do oferecimento chamado Catecismo, instituído primariamente por decreto de Trento e reforçado ocasionalmente pelos Papas. A exemplo, o Catecismo Romano é um exemplar perfeito que compendia toda a doutrina necessária de maneira “absolutamente livre de erro”. E a única outra fonte que podemos referenciar para tal instrução – sem de forma alguma dispensar ou negligenciar o estudo do Catecismo – é Santo Tomás de Aquino, o Doutor Comum da Igreja, referenciado sem cessar pela própria Igreja desde Trento, e em tempos mais recentes de maneira mais célebre por Leão XIII (cf. Aeterni Patris), São Pio X (cf. Doctoris Angelici) e Pio XI (cf. Studiorum Ducem).

“Por isso, agora Nós dizemos a todo aquele que deseja a verdade: “ide à Tomás!” e peça-lhe que lhe dê, a partir de seu amplo estoque, o alimento de doutrina substancial com a qual possa nutrir sua alma para a vida eterna.” — PIO XI, Studiorum Ducem, 1923

Bem preparados e instruídos na Doutrina de Cristo legada ao zelo de sua Igreja, e em grande busca por uma profunda vida na Graça, sob o patrocínio da insigne Mãe de Deus e do Patriarca São José, que os católicos ajamos com a prudência católica – depois de verdadeiramente conhecê-la, para não tomar a prudência mundana como gato por lebre -, com um non possumus incondicional diante do mundo e do diabo, “contra principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso” e tudo o que eles representam; da carne e de suas más inclinações e paixões desordenadas; e sem hesitação ou vínculos quaisquer – todos muitos inferiores ao imenso tesouro da Fé, que deve ser sempre e integralmente defendida – com aqueles que obstinadamente se fazem inimigos de Cristo e de sua Igreja. E assim, prontos para o bom combate, lutemos sempre revestidos da armadura de Deus e embraçados com o escudo da Fé, para que possamos resistir nos dias maus e, a suplicar “insistentemente a Deus para que Ele incline a vontade de todos em direção à honestidade e à verdade” (LEÃO XIII, Diuturnum Illud, 1881), cumpramos sempre com os deveres diante da Cruz.

Fonte
Adversus Modernitatem

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